O Dr. Pedro Morais Silva, imunoalergologista do Grupo HPA Saúde, responde a estas e outras questões sobre as alergias a fim de esclarecer as dúvidas mais comuns sobre o tema.
- As alergias são hereditárias?
A doença alérgica é determinada geneticamente, ou seja, são os nossos genes que determinam se somos alérgicos ou não. A doença alérgica surge devido a alterações relacionadas com o funcionamento do nosso sistema imunitário, especificamente porque o torna mais agressivo e mais propenso a desenvolver uma resposta inflamatória a questões inofensivas. É uma doença que surge quando os genes, em conjunto com o ambiente, fazem com que algo que é inofensivo seja identificado erradamente pelo sistema imunitário como uma resposta inflamatória. As alergias não são propriamente hereditárias, mas pais alérgicos têm tendência para ter filhos alérgicos. No entanto, não é verdade que pessoas alérgicas a ácaros tenham filhos alérgicos a ácaros, mas podem ser alérgicos, por exemplo, ao pólen.
No entanto, a genética não é tudo. O ambiente, os hábitos diários e o estilo de vida também têm influência. Por exemplo: pessoas que estejam mais expostas a fumo de tabaco estão mais propensas a desenvolver alergias.
- É possível ganhar imunidade se convivermos diariamente com o alergénio?
Sim, mas de um modo muito específico. Se uma pessoa é alérgica a ácaros, o facto de estar num ambiente com ácaros e muito pó não vai fazer com que essa pessoa se torne menos alérgica. No entanto, nós sabemos que pessoas com alergias alimentares, que fazem o chamado processo de dessensibilização (ingerem o alimento numa determinada quantidade muito específica todos os dias) podem criar tolerância. Da mesma maneira que é possível uma pessoa que seja alérgica a um medicamento, tomar essa medicação, mas de uma forma muito controlada, sempre na mesma quantidade e no mesmo horário.
- Qual a importância das alterações climáticas para as doenças alérgicas?
Já existe alguma evidência científica de que as alterações climáticas podem afetar negativamente os doentes com alergias. As épocas de polinização são mais longas fazendo com que os doentes alérgicos ao pólen tenham sintomas durante um período maior de tempo. A poluição atmosférica é responsável pelo desenvolvimento de alergias, aumenta a sua probabilidade, bem como a sua prevalência. A desertificação e a desflorestação têm tido também um impacto maior no desenvolvimento das alergias. Esses dois fatores fazem aumentar os níveis de poeiras no ar que são transportadas pelo vento e que por sua vez diminuem a qualidade do ar.
- Qual o grupo de alergias que mais tem crescido nos últimos anos?
De um modo geral todos os tipos de alergias estão a aumentar. Todavia, as alergias ao látex estão a diminuir porque se descobriu que, por exemplo, as luvas deste material tinham um pó, e o facto de as mesmas, atualmente, já não terem esse pó, diminuiu significativamente a tendência das alergias ao látex. As alergias respiratórias, contudo, parecem estar a aumentar, em especial em países em desenvolvimento ou em locais com muita poluição.
Todavia, se tivesse de escolher uma alergia que está a aumentar substancialmente, diria as alergias à medicação. Isso prende-se com o facto de usarmos medicamentos excessivamente e também com o facto de cada vez mais, as crianças terem contacto com medicação muito cedo. O contacto excessivo com medicamentos aumenta a probabilidade de pessoas com sistemas imunitários combativos desenvolvam alergia.
- As alergias têm cura?
Algumas alergias têm um bom prognóstico e acabam por passar, isto é, o sistema imunitário apercebe-se que estava a cometer um erro e devolve mecanismos necessários de tolerância. Isso acontece muitas vezes no caso de crianças com alergia ao leite ou aos ovos. No que toca a outras alergias, penso que a palavra “cura” seja demasiado forte, mas é possível realizar tratamento/medicação que atenua.
Existem alguns tratamentos como a imunoterapia com alergénios que diminuem a necessidade de tomar medicação e diminuem também os seus sintomas, o que no fundo é semelhante a uma cura. Eu tenho doentes que tinham sintomas intensos alérgicos e que necessitavam de medicação diária para estarem controlados. Com estes tratamentos acabaram por ter menos sintomas ou até suspenderam a necessidade de tomar medicação. Apesar de atenuar ou diminuir os sintomas não se trata necessariamente de uma cura porque não conseguimos mudar os genes, nem as tendências do sistema imunitário.
12 de Julho de 2024