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Dr. António Salgado

Dr. António Salgado 

Pediatra

 

Mitos e verdades em Pediatria

HPA Magazine 21 // 2024

 

Na consulta de Pediatria, muitas vezes, vemo-nos deparados com questões e algumas crenças, por parte dos pais, que podem não ter fundamento científico. Dedico este artigo a explorar alguns destes assuntos, realçando o que a literatura diz sobre os mesmos.

 



 

Sintomas e sinais surgem durante a erupção dentária? 
Sobre este tema, debruçou-se uma metanálise publicada na Pediatrics em 2018, que analisou 1179 artigos. 
É importante destacar que a erupção da dentição primária ocorre, geralmente, após os 6 meses e coincide com a exploração oral do ambiente e introdução frequente de objetos e mãos à boca, com a consequente transmissão de infeções (nasofaringites, gastroenterites…). 
Assim, de onze sintomas que os pais tinham associado a erupção dentária, constatou-se que apenas poderiam ser atribuídos à mesma: irritabilidade, despertares noturnos, diminuição do interesse para sólidos e a temperatura subfebril (abaixo do valor considerado febre). 
Logo, os dentes não “dão” febre, fezes moles, nem constipações ou otites. 

Colares de âmbar são benéficos na erupção dentária? 
Pelo ano de 2011, os colares de âmbar emergiram no mercado mundial como uma terapêutica “natural” para alívio do desconforto dos dentes. Presumia-se que teriam benefícios pela libertação de ácido sucínico pelo contacto e calor. Em 2022, uma metanálise publicada na Revista Brasileira de Pediatria, concluiu que os colares de âmbar podem ser colonizados por bactérias e criar risco de infeção.  Alem disso, há perigo de estrangulamento, uma vez que as crianças não os conseguem abrir com facilidade.  Não há evidência que o suposto ingrediente ativo (ácido sucínico), contenha propriedades anti-inflamatórias ou possa ser absorvido pela pele. Desta forma, desaconselha-se o seu uso. 
Serão o mel e cenoura úteis na tosse?
Parece haver alguma evidência que o mel pode ajudar, principalmente na tosse irritativa (seca) face ao placebo ou medicação, embora sejam necessários estudos mais robustos. Deve, contudo, ser evitado nos primeiros 12 meses de vida pelo risco de botulismo e conteúdo em açúcar.  Quanto à cenoura, foi identificada a influência de alguns dos seus constituintes na resposta imunomodulatória a vírus. 
Assim, podem ser utilizados com a consciência que o seu benefício pode ser limitado. 

 

E o frio, pode deixar o meu filho doente? 
É conhecido que os vírus respiratórios, como por exemplo o Influenza e Rhinovírus, proliferam melhor com um ambiente frio, daí o seu aumento nos meses frios. No entanto, qualquer infeção transmite-se através do contacto com pessoas (pelo ar ou gotículas) ou fómites (objetos e superfícies) infetados. Pela exposição a ar mais frio, pode haver uma resposta normal de produção de muco das fossas nasais para aquecer o ar respirado, mas de curta duração e não infeciosa.
Assim sendo, as crianças podem e devem brincar no exterior nos meses frios, desde que devidamente vestidas, não havendo aumento do risco de infeção (otite, pneumonia…), sendo inclusivamente melhor do que estarem em espaços fechados, mais quentes e menos ventilados. 

A mãe deve evitar alguns alimentos quando amamenta porque “dão” cólicas ao bebé? 
As recomendações atuais defendem que a mãe deve ter uma alimentação o mais variada possível quando amamenta, dando preferência a produtos frescos. O leite materno é “dinâmico”, ou seja, vai variando o seu sabor consoante a alimentação da mãe (através de aminoácidos voláteis). Deste modo, é um contrassenso defender uma alimentação materna monótona e pouco diversificada. Alimentos como o feijão e legumes verdes, pela presença de fibras não absorvíveis e libertação de gases no processo de digestão, são geralmente associados a distensão abdominal e algum desconforto à pessoa que os ingere, sem qualquer influência no bebé. 
É desaconselhada, contudo, a ingestão de alimentos estimulantes com cafeína, teofilina ou cacau.

A água deve ser fervida antes de preparar a fórmula? 
O objetivo de ferver a água é esterilizar a mesma. 
Se for proveniente de furos/poços deve ser fervida por não passar por um processo de verificação regular microbacteriológica.
Nos primeiros meses de vida do bebé, deve ser engarrafada e não da rede pública, uma vez que pode conter alguns produtos, em que se incluem disruptores endócrinos, que podem estar presentes na desinfeção desta última. 

Desta forma concluo este artigo, esperando que vos tenha sido útil, consciente que haveria muitos mais mitos a abordar.