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Dr. Luís Gonçalves

Pediatra
Coordenador da Unidade 
de Pediatria e Cuidados 
Intensivos Neonatais

 

Enfª Patrícia Inocentes

Enf.ª Especialista em Pediatria 
Responsável da Pediatria 
e Neonatologia

 

Um amor máximo por quem só atinge os mínimos

HPA Magazine 9

 

A Alice foi até hoje a nossa bebé “mais prematura”. Nasceu com 27 semanas e 5 dias e pesava 1035 gramas. Esteve na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) do Hospital de Gambelas quase 10 semanas. O tempo necessário para enfrentar o mundo, com a mesma tenacidade e coragem que mostrou desde o primeiro minuto. Gostaríamos daqui a 20 anos conversar com a Alice; saber o que sente quem nasce prematuro. Por agora conversaremos com os profissionais que a assistiram, os outros heróis da história.

Os profissionais das unidades de cuidados intensivos neonatais são preparados tecnicamente e emocionalmente para tratar de bebés prematuros, mas mesmo assim o desafio é sempre grande, a experiência sempre renovada, a entrega sempre total. O Dr. Luis Gonçalves e a Enf.ª Patrícia Inocentes, respetivamente diretor e enfermeira chefe dos serviços de Pediatria e Neonatologia, partilham connosco essas vivências.

Dr. Luís Gonçalves, a Alice foi o “Ai Jesus” da UCIN. Que motivação e desafios trazem estes bebés às equipas?
O nascimento de um bebé prematuro é sempre um momento de grande sensibilidade e ansiedade, não só para os pais, mas também para os profissionais. Cada bebé que nasce é único; toda a equipa quer que tudo corra bem e que esse bebé seja o mais bem tratado possível. Assim, o nascimento da Alice, por ser a bebé mais pequena da nossa Unidade, foi um grande desafio e criou motivação em toda a equipa. 
Com ela aprendemos que podemos sempre melhorar. Cada um destes bebés dá-nos força e garra para todos os dias estarmos dedicados e empenhados; que todas as nossas atitudes e atos como profissionais podem condicionar e ser fundamentais para o bom crescimento e desenvolvimento daquele bebé.
Desta forma, tudo deve ser medido ao milímetro - tal como os medicamentos, que são administrados pelo peso do bebé -, também as nossas atitudes devem ser monitorizadas pelo desenvolvimento harmonioso desse bebé. Tudo é importante e tem de ser controlado, mesmo sem se tratar de um verdadeiro tratamento, tal como a luz e o som da Unidade são fundamentais para esta harmonia.
E como todos sabem, quanto menor a idade de gestação maior o risco do bebé ter algum tipo de sequelas, ou inclusivamente poder falecer. Razão pela qual, ainda maiores devem ser os nossos cuidados e atenção a todos os pormenores. 
O nosso trabalho só é gratificante quando podemos devolver aos pais (no dia da alta) bebés mais saudáveis, ou seja, sem sequelas para o seu futuro. Dito de outra forma, temos de usar a incubadora e todos os nossos meios humanos e técnicos, para serem o “útero” mais saudável possível, em substituição do útero da mãe.


Nascer-se prematuro é para toda a vida?
É uma pergunta difícil e a resposta depende do ponto de vista do pediatra e dos pais, que acaba inevitavelmente por ser diferente.
Para os pais, o nascimento de uma criança é sempre um acontecimento único. Durante a gravidez, os pais vão-se preparando num processo de desejo de que o seu bebé seja perfeito, mas igualmente de receio que possa vir a ter algum problema. Assim, surge o bebé idealizado numa imagem composta pelas representações que os pais têm de si próprios. 
No caso do parto prematuro, esta imagem idealizada não corresponde à imagem real. A distância entre estas duas imagens torna-se enorme. Todos os pais sonham com um bebé saudável, rechonchudo, cheio de vitalidade. Quem chega é o bebé que era temido; uma criança magra, pequena, e com possíveis problemas de saúde. Surge então o confronto entre o bebé idealizado e o bebé agora real. Torna-se necessário desenvolver um processo de “luto” relativamente ao bebé idealizado e de enamoramento para com o bebé real. 
Este processo de “luto” pode passar por sentimentos de choque e de descrença, seguidos por sentimentos de tristeza, depressão e zanga, até que aconteça a aceitação da situação.
Mesmo depois de se ter efetuado o processo de “luto” é normal que a experiência se mantenha muito emocional e, seja um verdadeiro desafio para todos aqueles que têm de a enfrentar. Ter um bebé prematuro internado numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais é sem dúvida um dos momentos mais stressantes que qualquer família e relação/casal podem ter de enfrentar ao longo das suas vidas. Penso que todas estas reações emocionais podem permanecer durante muito tempo e mesmo para toda a vida! Desta forma, para os pais o seu bebé é prematuro (frágil) para toda a vida!
Para os pediatras, ser-se prematuro dura apenas o tempo necessário para perceber que aquele bebé não apresenta quaisquer sequelas no seu desenvolvimento e crescimento, ou seja, a idade real/cronológica confunde-se com a idade corrigida.
A "idade cronológica" é a idade real que o bebé tem, o tempo de vida dele depois do nascimento. Por exemplo: um bebé que nasceu dia 10 de abril, terá 3 meses de idade cronológica no dia 10 de julho. A "idade corrigida" é a idade ajustada ao grau de prematuridade. É a idade que o bebé teria se tivesse nascido às 40 semanas de gestação.
Assim, sensivelmente por volta dos 2 anos de idade estas duas idades confundem-se e não faz sentido falar desta diferença, pelo que a partir desta idade falamos em ex-prematuro. Ou seja, nunca vai deixar de ser prematuro (porque assim nasceu), mas em termos médicos começa a fazer parte do passado, e será uma criança como qualquer outra.

A nossa UCIN tem recebido muitos bebés prematuros?
Na maioria dos países do mundo desenvolvido a taxa de prematuridade ronda os 7-12% do total de nascimentos desse país. Ou seja, em cada 10 bebés nascidos, um será prematuro. Naturalmente, que esta taxa poderá ser maior em países com poucos recursos ao nível da perinatologia, com poucos recursos ao nível dos cuidados obstétricos e neonatais.
À semelhança de outros países e de outras unidades de neonatologia, durante este ano e até ao momento, tivemos internados na nossa UCIN, 47 bebés prematuros (ou seja nascidos antes das 37 semanas de gestação), o que corresponde a uma taxa de 10,4% de prematuridade.
De todos estes bebés prematuros, o que teve o peso mais baixo pesava 1035g e o que nasceu mais cedo tinha 27 semanas de gestação. A Alice.
A UCIN combina uma tecnologia muito avançada e diferenciada, com profissionais de saúde treinados e especializados na prestação dos cuidados ao bebé prematuro ou doente. Fazem parte da equipa os neonatologistas (pediatras com treino especializado em recém-nascidos), os enfermeiros especialistas e todos os outros profissionais de saúde, consoante os problemas específicos de cada recém-nascido, como por exemplo, cardiologistas, cirurgiões, neurologistas pediátricos, fisiatras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, geneticistas, radiologistas, oftalmologistas, assistentes sociais ou psicólogos.
A nossa Unidade tem todos os meios técnicos e humanos para receber e tratar estes bebés muito frágeis. Ao nível técnico temos incubadoras, ventiladores e outros aparelhos equipados com as mais avançadas e recentes tecnologias para fazer face a estes bebés tão sensíveis e particulares, ao nível humano possuímos uma equipa multidisciplinar treinada e especializada.
Para finalizar gostava de referir que deve fazer parte do tratamento personalizado a presença contínua/diária dos pais. Na nossa Unidade podem permanecer 24 horas por dia. Os pais são um elemento fundamental na e da equipa. A sua presença é sempre encorajada e apoiada; eles têm uma atuação determinante na evolução do bebé e na gravidade da sua doença.

Enf.ª Patrícia Inocentes, como se apoiam e serenam estes pais? 
Considero que nenhuns pais estão verdadeiramente preparados para o nascimento prematuro do seu filho e que necessitam de ser esclarecidos, informados e acima de tudo, integrados progressivamente na prestação dos cuidados ao seu bebé. A parceria de cuidados é um modelo de trabalho fundamental para ajudar estes pais a interagirem e aceitarem o seu bebé real, normalmente mais pequeno e frágil do que o bebé que inicialmente idealizaram. Ao sentirem que conseguem e podem tocar, dar colo, fazer canguru, amamentar e cuidar do seu filho, os pais vão ficando mais calmos, autónomos e confiantes. Neste difícil período de internamento, tentamos sempre que os pais se sintam confortáveis e necessários para a recuperação do seu filho.

Quais são os aspetos fundamentais que são necessários ensinar?
Mais do que ensinar, é fundamental capacitar. Ajudar os pais a perder o medo de tocar no seu bebé e isto consegue-se com o aproximar das mãos do pai/mãe; primeiro para conter, depois para acarinhar e posteriormente para pegar, mudar a fralda, dar banho e prestar cuidados de forma autónoma. Neste processo existem alguns ensinos que sobressaem como o método canguru, a muda da fralda, a importância da presença dos pais na incubadora junto do bebé e a amamentação, que inclui as estratégias que ajudam a manter a produção de leite materno até o bebé estar preparado para mamar. Os pais ficam connosco todo o dia e os momentos de aprendizagem entre pais e bebé são mútuos, quebrando-se desta forma a ansiedade e a insegurança associadas à prematuridade, progredindo-se para uma relação forte de vinculação.