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Enf.ª Patrícia Sancho

Especialista em Saúde Materna e Obstétrica
Responsável do Serviço Ginecologia/Obstetrícia
Doutorada em Ciências 
da Educação

Enf.ª Patrícia Sancho

Enf. Tito Manuel Félix

Especialista em Saúde Materna e Obstetrícia 



 

Enf. Tito Manuel Félix

O cérebro da mulher:
Alterações adaptativas para a maternidade

HPA Magazine 21 // 2024

Com a maternidade as mulheres sentem que o cérebro mudou. Umas das queixas frequentes, cerca de 80%, é que se sentem mais esquecidas, no entanto este esquecimento com alguma seletividade tem uma boa razão: apoiar a mulher na transição para a maternidade.
Sabemos que a gravidez traz, entre outras mudanças, vários reajustes orgânicos:  o cérebro das mulheres grávidas não é exceção. De tal forma, que se desencadeia uma reorganização nas ligações cerebrais, fazendo com que a mulher se prepare para o cuidado e relação com o seu bebé. Esta plasticidade neural distinta estimula a mulher na resposta às necessidades do seu bebé, garantindo a sua sobrevivência. 



 

Existem inclusivamente circuitos neurais específicos que são ativados em resposta ao choro e à expressão facial dos bebés. Um estudo realizado entre mulheres que haviam sido mães em comparação com as que nunca tinham tido bebé apresentaram ativações cerebrais em regiões diferentes. Assim, concluiu-se que com a maternidade há uma resposta a várias expressões faciais dos bebés nomeadamente um rosto triste ou um sorriso.  E também são ativadas áreas cerebrais relacionadas com competências sociais tais como o processamento empático e de cuidados. Também a amamentação potencia uma maior sensibilidade e resposta aos sinais do bebé, sendo ativadas regiões cerebrais implicadas na empatia e no vínculo.
O choro do bebé desencadeia no cérebro da mãe a manutenção da atenção e encoraja ao cuidado, alem de ativar o circuito neural que leva a que o corpo da mãe se prepare para amamentar, através da libertação da hormona ocitocina. 
Os adultos têm uma preferência por rostos infantis, caraterizados por olhos e testas grandes, nariz e boca pequenos. No entanto, as descobertas apontam que uma mãe tem uma ativação cerebral distinta se olhar para o rosto do seu bebé ou para o rosto de outras crianças. Este reconhecimento pode influenciar uma série de processos desde a atenção, memória e aprendizagem direcionadas para a identificação e reconhecimento de necessidades da criança, bem como o desenvolvimento de motivação/recompensa e vinculação que modulam o comportamento. Tudo por forma a garantir o cuidado e a dedicação ao seu filho. 
Outro fenómeno que ocorre no cérebro da mãe é a perda de volume de massa encefálica: foram detetadas zonas onde a perda é mais significativa, o que é considerado um mecanismo de maturação e especialização. Esta perda está evidenciada nas áreas envolvidas com o processamento e respostas sociais. Isto pode indicar que os cérebros maternos estão com mais eficácia ligados a áreas que permitem a leitura dos desejos e intenções dos outros a partir dos rostos e emoções, além de estarem mais alerta na deteção de ameaças e ativação de uma resposta protetora. 
A perda de volume de massa encefálica mantém-se pelo menos nos dois primeiros anos de vida do bebé e especula-se que esta perda confira uma vantagem adaptativa de certa forma idêntica ao que acontece na adolescência, dado que também nesse período as redes neurais sofrem uma adaptação para uma maior eficiência em funções mais especializadas.  Simultaneamente, há uma necessidade de ajuste na regulação das emoções e em lidar com as novas exigências.
A plasticidade do cérebro das mães apoia-as não só na gestão das novas tarefas da parentalidade como na vinculação ao seu bebé. No entanto, esta elevada plasticidade pode conferir uma capacidade de resposta elevada, tanto a experiências negativas como a experiências positivas. Assim, alguns fatores de maior stress podem aumentar a vulnerabilidade das mães e comprometer estas mudanças naturais do cérebro materno. Foi encontrada evidência de que a deficiência nestes processos de neuroplasticidade possa estar associada à depressão e outras doenças do foro psiquiátrico. Assim, da mesma forma que é realizada uma vigilância obstétrica a estas mulheres, também a avaliação da saúde mental seria pertinente, pois tornaria possível de forma mais eficaz identificar situações de risco para mães e bebés. 

Para alívio de muitas mulheres, estas mudanças no cérebro, como a perda de memória e até a sensação de que o cérebro não está a funcionar em pleno, não estão cientificamente comprovadas. Deste modo, com a transição para a maternidade, estas alterações devem ser entendidas como adaptação ao novo papel e não como défice de funcionamento cerebral da mulher. Até porque um estudo recente demonstrou um aumento na aprendizagem em assuntos relacionados com o bebé e uma melhoria da memória a longo prazo, comparados com mulheres não grávidas. Desta forma, ao mudarmos o paradigma da compreensão do cérebro materno temos como resultado o reconhecimento da importância do cuidado.
Paralelamente, a compreensão das necessidades adaptativas do cérebro materno leva à compreensão global da função cerebral da mãe, o que pode em certa medida fornecer novos alvos para o tratamento de distúrbios psiquiátricos que afetam 1 em cada 5 mulheres na maternidade.
Esta narrativa de que o cérebro da mulher com a maternidade apresenta alguma disfunção, foi prevalecendo ao longo de anos, denotando inclusive uma subvalorização do trabalho realizado pelas mulheres no cuidado aos seus filhos. Durante séculos, na cultura ocidental assistiu-se a uma desvalorização das mulheres, vistas assim e tratadas como o sexo fraco, não tão inteligentes, com pouca capacidade intelectual, sendo as capacidades de reprodução e cuidado as mais destacadas. Não estamos unicamente perante uma subvalorização da função intelectual da mulher, mas também perante o desvalorizar do papel de cuidadora, como se para cuidar de alguém, não fosse requerido ao cérebro funcionar em pleno.
Atualmente assistimos à cultura do ideal e da perfeição: outra exigência ao cérebro das mulheres. Assiste-se a uma grande carga mental relacionada com a maternidade, que se traduz em elevadas expetativas pessoais, familiares e sociais quase sempre inatingíveis, que levam inevitavelmente a múltiplas lutas interiores e até a frustrações, nesta fase critica. Este processo não deverá ser normalizado e minimizado como “só uma fase”, mas sim alvo de estratégias de apoio à adaptação para a maternidade/parentalidade.
Em suma, a sociedade deverá priorizar estratégias, proteção e suporte às mulheres/casais com o intuito de os empoderar, de dotá-los de recursos e mecanismos internos para conseguirem desempenhar plenamente e de forma autónoma a sua parentalidade, dentro de um quadro de expetativas realistas, pois esse desempenho, entrega e foco têm uma implicação na saúde para si mesmos e para todos nas gerações futuras.