Especialista em Saúde Materna e Obstétrica
Consultora Internacional de lactação Certificada
Responsável do Serviço Ginecologia/Obstetrícia
Doutorada em Ciências
da Educação
HPA Magazine 24 // 2025
Porque é importante elaborar um plano de amamentação?
É ainda durante a gravidez que muitas das emoções e crenças relacionadas com a amamentação assumem maior destaque. Neste período, surgem dúvidas naturais: Será que vou conseguir? Será normal sentir dor? E se o bebé não quiser mamar? E se o meu leite for fraco ou insuficiente? — questões legítimas que merecem ser acolhidas com escuta, empatia e informação atualizada.
A preparação pré-natal para a amamentação está associada a uma maior taxa de sucesso no aleitamento materno, tanto no início como ao longo do tempo. A evidência científica é clara: mães que se informam, definem expectativas realistas, contam com uma rede de apoio e fortalecem a sua confiança no processo, o que se traduz em menos complicações e maior probabilidade de manter a amamentação, mesmo perante desafios.
O plano não garante que tudo ocorra conforme o esperado, mas constrói uma ponte entre as expectativas e a realidade, promovendo decisões informadas e alinhadas com os objetivos definidos.
Etapas para construir o plano de amamentação
Um plano de amamentação pode ser estruturado em quatro fases principais: gravidez, parto, pós-parto e regresso ao trabalho.
1. Gravidez: informação e rede de apoio
• Informar-se com base em evidência científica: aprender sobre a composição do leite materno, como se produz e como manter a produção, como assegurar uma boa transferência de leite para o bebé, sinais de alerta, prevenção de complicações e desconstruir mitos como “o leite materno é fraco”, “não sustenta” ou “é normal doer”.
• Participar em grupos de apoio à amamentação: observar outras mães a amamentar e partilhar experiências ajuda a normalizar o processo, enfrentar desafios e reforça a confiança.
• Ponderar consulta por um consultor certificado em lactação (IBCLC): para a ajudar, para aprender, por exemplo, a técnica de extração manual de colostro pré-natal e conhecer acessórios úteis como copos, bombas ou seringas, entre outras.
• Identificar a sua rede de apoio: envolva o/a companheiro/a, amigos, familiares e profissionais de referência. Guarde contactos e defina como e quando poderá contar com cada um.
• Conhecer a política de amamentação da unidade de saúde escolhida para o parto: instituições com uma política ativa de apoio ao aleitamento e profissionais capacitados oferecem uma vantagem significativa.
• Definir metas pessoais: deseja amamentar em exclusivo? Por quanto tempo? Vai extrair leite? Em que circunstâncias? Como conciliar com o regresso ao trabalho?
2. Parto: proteger a amamentação desde o início
É essencial que o plano de parto inclua medidas para proteger o início da amamentação. Este é um momento determinante com um impacto direto no início da amamentação e, por isso, deve ser cuidadosamente protegido. O parto e o início do aleitamento estão intimamente ligados: a forma como este momento é vivido impacta o momento seguinte.
3. Pós-parto: responder à realidade
A fase imediata após o nascimento é intensa e desafiante. Eis algumas práticas essenciais:
• Manter o contacto pele com pele após o nascimento evitando separações no mínimo até à primeira mamada e o alojamento conjunto durante o internamento — isto favorece a produção de leite, estabiliza os parâmetros vitais do bebé, reduz o stress, previne a hipoglicémia e promove o vínculo;
• Privilegiar a livre demanda em detrimento da rigidez de horários e períodos de tempo na mama: o bebé mama sempre que demonstre essa necessidade e no caso de não a demonstrar realizar pele com pele com o bebé e oferecer-lhe “snacks” de leite materno extraído vão ajudar;
• Estar atenta à “Síndrome da segunda noite” — momento em que o bebé pode estar mais inquieto e procurar mamar constantemente. Abrindo uma janela para intervenções e oferta de fórmula infantil. Assim, reconhecer esta síndrome é essencial para responder efetivamente às necessidades de colo, tranquilidade e mama que o bebé tem;
• Solicitar ajuda precoce em caso de dor, dificuldade na pega ou insegurança;
• Não oferecer tetinas e chupetas — se necessário, recorrer a dispositivos, como por exemplo o copo ou a seringa para oferecer leite materno ou leite humano do banco de leite humano;
• Preparar o regresso a casa: planear tarefas domésticas, refeições e visitas — a mãe precisa de tempo e tranquilidade para se adaptar e conhecer o seu bebé.
4. Regresso ao trabalho: planear para continuar
Este momento pode ser crítico, mas com organização é possível manter a amamentação:
• Iniciar a extração e armazenamento de leite com algumas semanas de antecedência;
• Conhecer os seus direitos laborais relativos à amamentação e conciliá-los com a entidade patronal;
• Preparar um kit de extração portátil e aprender sobre conservação do leite;
• Combinar com a pessoa cuidadora do bebé/entidade, como será oferecido o leite materno extraído;
• Continue a cuidar de si: manter a hidratação, a alimentação adequada, o exercício físico ajustado e o descanso são fundamentais para sustentar este processo
Conclusão: um plano com significado
Elaborar um plano de amamentação é mais do que decidir que é leite materno que pretende oferecer ao bebé.
Embora não seja totalmente conhecida a prevalência e duração do aleitamento materno em Portugal, estima-se que só 21,8 % dos bebés estão em aleitamento materno exclusivo até aos 6 meses. A realidade mostra que muitas mulheres com vontade de amamentar acabaram por desistir, essencialmente por falta de apoio especializado.
Tal como o parto exige preparação, a amamentação também exige tempo, dedicação, paciência, confiança no processo e uma rede de apoio sólida.
Cada mulher e cada bebé são únicos. Cada plano deve refletir essa individualidade, com espaço para ajustes e flexibilidade. Cabe ao profissional de saúde respeitar as decisões da mulher, apoiar com empatia e agir com base na melhor evidência científica disponível.
"Amamentar é natural e inerente à nossa condição de mamíferos. No entanto, perdemos referências e sabemos pouco sobre como se amamenta e como se comportam bebés e crianças amamentadas. Por isso, é essencial aprender, conhecer e rodear-se de uma rede de apoio que sustente este processo.”