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Dra. Ana Margarida Mourato

Serviço de Ginecologia
e Obstetrícia 

 

Dra. Ana Margarida Mourato

Violência obstétrica: 
Entre o mito e a prática clínica. Um olhar médico sobre a Lei n.º 33/2025

HPA Magazine 24 // 2025

 

A Lei n.º 33/2025, que visa prevenir e combater a violência obstétrica, tem gerado debates entre a população geral e os profissionais de saúde. Embora vise promover os direitos na gravidez e período peri-parto, é crucial distinguir entre práticas clinicamente fundamentadas e atos que configuram maus-tratos. Este artigo pretende esclarecer estas diferenças e promover um diálogo construtivo, informado e equilibrado, entre profissionais de saúde e a sociedade, numa área tão sensível como a do nascimento.

 


Violência obstétrica:  Entre o mito e a prática clínica. Um olhar médico sobre a Lei n.º 33/2025


 

Compreender a Lei n.º 33/2025
A Lei define “violência obstétrica” como qualquer ato físico ou verbal, exercido por profissionais de saúde, que resulte em tratamento desumanizado ou clinicamente injustificado, durante a gravidez, parto ou puerpério, violando os direitos previstos na Lei dos Utentes (n.º 15/2014), como o direito à informação, consentimento informado, escolha, dignidade, privacidade e recusa de tratamento. 
Entre as principais medidas previstas, destacam-se:
• Criação de Comissão Multidisciplinar para promover os direitos na gravidez e no parto;
• Formação dos profissionais de saúde, em direitos humanos e saúde reprodutiva;
• Integração da temática “violência obstétrica” na educação sexual escolar;
• Registo obrigatório de todos os atos clínicos durante o parto, com respetiva justificação;
• Proibição de práticas rotineiras, não fundamentadas clinicamente, como episiotomia ou manobra de Kristeller.
Embora a Lei represente um avanço na humanização dos cuidados, levanta também desafios na sua interpretação e aplicação prática, exigindo equilíbrio entre segurança da prática clínica baseada em evidências e respeito pelos direitos da mulher.

Práticas Obstétricas: Entre a Necessidade Clínica e a Perceção de Violência
Episiotomia: Quando é realmente necessária?

A episiotomia é uma incisão no períneo, que serve para ampliar a abertura vaginal, durante o período expulsivo do trabalho de parto.
A OMS recomenda a evicção da episiotomia de forma rotineira e promove técnicas alternativas e/ou adicionais, como compressas mornas e massagem perineal.
Assim, embora não esteja recomendada a realização de episiotomia de forma rotineira, há situações clínicas em que esta é necessária, como: partos instrumentados; estado fetal não tranquilizador (sinais de sofrimento fetal), que exige abreviação do período expulsivo; perante risco iminente de lacerações perineais de alto grau (3.º ou 4.º grau), que apresentam risco de lesão dos esfíncteres anais, com consequente risco de incontinência fecal. 
Assim, quando devidamente fundamentada, a episiotomia está recomendada, nomeadamente para garantir o bem-estar fetal e proteger a integridade perineal, ao prevenir lacerações de alto grau.
Manobra de Kristeller versus apoio no ponto mais alto do feto in útero 
A manobra de Kristeller consiste em aplicar pressão sobre o fundo uterino, para facilitar a saída do feto. 
A OMS desaconselha a sua execução, quando realizada sem critérios claros ou consentimento e a Lei atual proíbe a sua prática de forma rotineira. 
No entanto, é importante distinguir esta manobra, de outras formas de assistência manual ou orientação postural do feto, durante o parto, que visam otimizar a progressão da descida fetal com segurança. 
Uma forma de auxiliar o período expulsivo consiste em apoiar o ponto mais alto do feto in útero, de forma a evitar a subida da apresentação fetal entre os esforços expulsivos, uma medida de apoio e não de aplicação de pressão ou força, como a Manobra de Kristeller.
Assim, a Manobra de Kristeller não deve ser realizada, mas pode estar recomendado apoiar o ponto mais alto do feto in útero durante o trabalho de parto, para otimizar a descida fetal com segurança.

Toques Vaginais e Exames Clínicos
Os toques vaginais são a única forma de avaliar as características do colo uterino (dilatação, apagamento, consistência e posição) e a descida e a orientação da apresentação fetal. Assim, estão clinicamente indicados para verificar se a grávida se encontra, ou não, em trabalho de parto, para avaliar se o trabalho de parto está a evoluir de forma adequada, ou se existem sinais de trabalho de parto estacionário.
Também são necessários em casos de: suspeita de rotura das membranas; reavaliação após alterações na dinâmica uterina ou na frequência cardíaca fetal; antes da realização de procedimentos, como analgesia epidural ou parto instrumentado.
A OMS recomenda que sejam espaçados (idealmente a cada 4 horas) e realizados apenas com consentimento informado. 
A Lei n.º 33/2025 exige que sejam registados e justificados clinicamente, em conformidade com as normas da DGS.
Assim, devem ser realizados toques vaginais perante alterações clínicas e para avaliação da progressão do trabalho de parto. Antes da sua realização, deve ser explicado o motivo para a sua execução e solicitado o consentimento verbal da grávida. Posteriormente, os toques vaginais devem ser registados.

 

Administração de Medicamentos
Durante o trabalho de parto, a administração de fármacos deve ser realizada de forma criteriosa. Somente devem ser prescritos fármacos, perante situações clínicas com indicação clara, nomeadamente: ocitocina (para indução ou aceleração do trabalho de parto, perante, por exemplo bolsa rota ou trabalho de parto prolongado), antibióticos (se rotura prolongada de membranas ou presença de Streptococcus agalactiae, do grupo b, no exsudado vaginal e retal) ou analgésicos ou anestésicos, como epidural, perante queixas álgicas. 
A OMS desaconselha a utilização rotineira de medicamentos para acelerar o trabalho de parto sem indicação clara.
Assim, devem ser prescritos e administrados medicamentos, apenas perante indicação fundamentada em evidência científica e precedida de consentimento informado. 

A Importância da Comunicação e do Consentimento Informado
A Lei n.º 33/2025 reforça a obrigatoriedade do respeito à autonomia da mulher, da justificação de qualquer intervenção e do registo formal dos procedimentos.
Durante a gravidez e no período peri-parto, o casal deve ser respeitado, bem como os seus ideais e desejos, desde que os mesmos não comprometam o bem-estar fetal ou a adequada progressão do trabalho de parto. 
A comunicação eficaz entre a equipa de saúde e a parturiente é fundamental. Informar, ouvir, respeitar e partilhar decisões são os pilares de um cuidado obstétrico humanizado. 
O consentimento informado deve ser visto como um processo contínuo, e não como um ato burocrático. 
Durante o trabalho de parto ou vigilância da gravidez, podem surgir situações clínicas que exigem intervenção médica, para garantir o bem-estar materno-fetal, que não estão incluídas no plano de parto da grávida, como necessidade de parto instrumentado ou realização de episiotomia. Perante situações que exigem intervenção médica, clinicamente justificadas, estas devem ser realizadas como parte das boas práticas médicas. No entanto, antes da sua realização, devem ser explicados os motivos clínicos que justificam a sua execução e estes só devem ser realizados após o consentimento informado da grávida, mesmo que apenas verbal. 
Por vezes, também a grávida, perante situações clínicas, a que não tinha sido exposta previamente, pode mudar os seus desejos e planos, devendo explicar as alterações aos profissionais de saúde e respeitar os timings necessários para os ajustes necessários. 

Conclusão
A Lei n.º 33/2025 representa um avanço na proteção dos direitos das mulheres, mas deve ser interpretada à luz da realidade clínica e das boas práticas médicas. 
A escuta ativa, a empatia e a formação contínua são as chaves para garantir cuidados obstétricos mais humanizados, seguros e respeitadores dos direitos de todas as mulheres. 
O desafio está em promover um cuidado obstétrico seguro, empático e baseado em evidências, sem comprometer a autonomia das mulheres e as boas práticas clínicas dos profissionais de saúde.

Violência obstétrica:  Entre o mito e a prática clínica. Um olhar médico sobre a Lei n.º 33/2025