Dermatologista
HPA Magazine 6
O Cancro da Pele é o cancro mais comum do mundo e a incidência de todas as suas formas continua a aumentar. No entanto, tem também elevadas possibilidades de ser tratado com sucesso, se detetado precocemente.
Habitualmente é causado pela exposição excessiva aos raios ultravioleta, sendo mais prevalente em zonas frequentemente expostas: face, pescoço, costas e membros.
O Cancro da Pele tem variadas manifestações e níveis de gravidade, que por sua vez possuem diferentes sintomas e tratamentos.
Falámos sobre este tema com o Dr. André Laureano, Dermatologista, Mestre em Dermatoscopia e Oncologia Cutânea Preventiva e Doutorando da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, onde exerce atividade como investigador.
Se bem que haja um reforço da comunicação na época do verão acerca da prevenção do cancro da pele, este não é um assunto que deva ser abordado só nesta altura do ano, verdade?
Quando falamos de cancro de pele devemos considerar o melanoma e o cancro cutâneo não-melanoma, deste último grupo são exemplos paradigmáticos o carcinoma basocelular (CBC) e o carcinoma espinocelular (CEC). A exposição à radiação ultravioleta (UV) é considerado o principal fator de risco para todos eles.
Exposição intermitente sem dúvida para o melanoma e possivelmente para o carcinoma basocelular, e crónica ou continuada para o carcinoma espinocelular. Em suma, a exposição solar intensa e sazonal é sem dúvida um importante fator de risco para o melanoma. As queimaduras solares nesta altura do ano, infelizmente ainda muito frequentes, também contribuem para um aumento do risco de melanoma. Estas são razões óbvias para as campanhas de prevenção anuais nesta altura do ano, a anteceder o início de mais uma época balnear. No entanto, não nos podemos esquecer que a exposição crónica à radiação UV pode aumentar o risco de carcinoma espinocelular e de lesões pré-malignas, como as queratoses actínicas.
Neste grupo devemos incluir as pessoas com exposição continuada por motivos ocupacionais ou profissionais. Hoje em dia, e como felizmente assistimos a um número cada vez mais frequente de praticantes diários de atividades desportivas ao ar livre, devemos alertar para os seus riscos e reforçar a importância do uso de medidas preventivas físicas: vestuário apropriado, chapéus, óculos de sol ou através da aplicação frequente de protetores solares. Como o risco de cancro de pele associado à exposição solar é cumulativo, os esforços de prevenção primária deverão ser continuados (o risco não é só do “sol ou do escaldão do ano passado”). Por outro lado, doentes com fotótipos mais baixos (pele clara), cabelos ruivos e com sardas, com história pessoal ou familiar de melanoma, mais de 50 nevos (sinais) ou imunodeprimidos têm adicionalmente um risco superior e deverão ser vigiados em programas adequados de prevenção secundária, orientados por um médico especialista em Dermatologia.
Os diferentes tipos de cancro estão associados a diferentes tipos de pele?
De uma maneira geral todos os tipos de cancro de pele já mencionados são mais frequentes em pessoas com fotótipos mais baixos, ou seja, pessoas cuja pele raramente ou nunca bronzeia e que quase sempre ficam vermelhas ou queimadas nos primeiros dias de exposição solar. Portanto, pessoas com pele clara, cabelo loiro ou ruivo, sardas e olhos azuis têm intrinsecamente um risco acrescido. Se a isso acrescentarmos uma excessiva exposição à radiação UV com queimaduras solares secundárias, o risco aumenta exponencialmente. O cancro de pele é de uma maneira geral pouco frequente na pele negra, apesar de observarmos aí uma maior frequência de um subtipo de melanoma designado acral-lentiginoso (melanoma nas plantas dos pés).
Quais os sinais e sintomas que as pessoas devem estar atentas? E em que circunstâncias devem consultar um dermatologista?
É uma excelente questão, porque não há dúvida que os doentes devem conhecer a sua pele e saber reconhecer qualquer alteração. Deste modo, está provado que o auto exame-mensal (por parte do doente) pode contribuir para o diagnóstico precoce de melanoma.
Algumas regras que deverão ser do conhecimento de todos: o sinal “do patinho feio”, ou seja, qualquer lesão da pele que imediatamente à vista desarmada se destaque das demais. Para o melanoma, a mnemónica ABCDE. A de assimetria, B de bordos irregulares, C de cores múltiplas (mais de duas), D de diâmetro superior a 6 mm e E de evolução rápida.
Apesar da incidência de melanoma aumentar com a idade, este persiste como uma das mais frequentes formas de cancro em pessoas com menos de 40 anos e localiza-se preferencialmente em áreas de exposição solar intermitente, como o tronco e os membros. Mais tarde, após os 60 anos, os melanomas localizam-se habitualmente em áreas de exposição solar continuada como a face, pescoço, orelhas e couro cabeludo nos homens.
Para o cancro cutâneo não-melanoma (carcinoma basocelular, carcinoma espinocelular, queratoses actínicas) devemos sempre ter presente que a sua prevalência aumenta com a idade e que são mais frequentes em áreas cronicamente expostas à radiação solar, como a cabeça (nariz, orelhas, pálpebras, lábios, pescoço, dorso das mãos). Deste modo, e particularmente nessas áreas da nossa anatomia, qualquer lesão da nossa pele que se mantenha em crescimento (rápido, ou mesmo em muitos casos, lento mas sustentado) e cuja superfície ganhe crostas, erosões ou áreas de ulceração que não cicatrizem, e muitas vezes sangrem, algumas ásperas ao toque, deverão ser suspeitas para o diagnóstico de cancro cutâneo não-melanoma.
Há neste momento técnicas ou exames que permitem fazer diagnósticos mais rápidos e precisos?
Sim. Daí a importância dos mencionados programas de prevenção secundária efetuados por médicos dermatologistas devidamente treinados para estas técnicas. Os exames complementares deverão ser então rápidos e não-invasivos. A dermatoscopia é uma técnica ideal. A dermatoscopia ou microscopia cutânea de epiluminescência, constitui um método de diagnóstico não-invasivo que permite ao dermatologista a observação de estruturas da pele não visíveis macroscopicamente (a “olho nu”). Esta técnica permite aumentar a acuidade no diagnóstico de lesões melanocíticas, nomeadamente o melanoma maligno, e por consequência diminuir o número de excisões ou procedimentos invasivos desnecessários, ou seja, as cirurgias e as cicatrizes daí resultantes, assim como a ansiedade relativa à expectativa de um relatório histológico. Deste modo, a observação completa da pele na consulta deverá idealmente ser sempre complementada pelo uso de um dermatoscópio manual, também de enorme utilidade no diagnóstico precoce das formas de cancro cutâneo não-melanoma já referidas.
Por outro lado, a dermatoscopia digital computorizada é também um procedimento de diagnóstico não-invasivo que consiste na observação indireta de lesões cutâneas com uma câmara de vídeo de cor de alta resolução adaptada à dermatoscopia e ligada a um sistema informático. Este método permite a fotografia e registo digital de lesões melanocíticas (“sinais”) permitindo o seu mapeamento, ou seja, a construção de mapas corporais totais para sua comparação ao longo do tempo nas diferentes consultas. Este método favorece o diagnóstico atempado de qualquer nova lesão ou modificação de qualquer “sinal” já existente. É sem dúvida uma enorme mais-valia para o diagnóstico precoce de melanoma. Como o melanoma pode ter uma sobrevida muito baixa em estadios avançados, o seu diagnóstico o mais precocemente possível será, julgo, o objetivo e o maior motivo de satisfação de qualquer dermatologista. Para tal é fundamental saber usar estas técnicas ao serviço dos doentes.
Outra técnica importante, a qual também utilizo, mas infelizmente apenas disponível em poucos centros, é a microscopia confocal de reflectância.
O Algarve é a região do país que tem a maior exposição solar. Tem alguns conselhos para os seus residentes?
Claro que sim e exatamente pela maior exposição solar. Deixo conselhos quer para os residentes permanentes, quer para os residentes sazonais (em férias) e, destaco também os nossos residentes estrangeiros oriundos de países onde a incidência de cancro cutâneo (incluindo melanoma) é muito superior à observada no nosso país.
Destaco sempre os esforços de prevenção primária na idade pediátrica e aqui é de suma importância educar e informar os pais. Sabemos, de acordo com alguns estudos, que em cerca de 85% da radiação UV associada ao aumento do risco potencial de melanoma, a sua exposição ocorre até aos 18 anos. Por outro lado, na infância ou adolescência, um maior número de queimaduras solares, horas de exposição solar e menor uso de protetor solar poderão contribuir para um maior número de “sinais” e de risco de melanoma na vida adulta.
Conselhos globais: não descurar a aplicação de um protetor solar com elevado índice e alargado espectro de proteção (incluindo protetores com filtros físicos), não só na praia, mas também no dia-a-dia, particularmente em atividades desportivas ao ar livre ou em atividades profissionais que impliquem prolongada exposição solar e reaplicar regularmente o protetor; preferir as sombras; usar vestuário adequado, incluindo chapéu e óculos de sol; não frequentar a praia entre as 11 e as 17 horas. Aqui, e desculpando a expressão, poderemos assistir a um efeito “perverso” do uso de protetores solares. Ou seja, usar protetor para poder prolongar o número de horas de exposição à radiação UV, o que está errado. Devemos então usar protetores solares numa exposição solar nas horas apropriadas.
O Algarve, como referiu, é uma zona do país onde há abundante exposição natural à radiação UV e já discutimos o seu papel no risco do cancro de pele. Desta forma, acrescento os enormes riscos da exposição “artificial” a esta radiação. Ou seja, o uso de solários, que podem aumentar o risco de melanoma em 50-100%, e que deverão ser evitados por todos.
Quanto mais precoce for o diagnóstico do cancro da pele, mais cedo será o seu tratamento, com diminuição da morbilidade e mortalidade associadas, e aumento da qualidade de vida dos nossos doentes.