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Dr. Pedro Carvalho

Reumatologista
 

Dr. Pedro Carvalho

Espondilite anquilosante:
Incapacitante mas tratável

HPA Magazine 18


A espondilite anquilosante (EA) é uma doença reumática inflamatória crónica que se carateriza pelo envolvimento da coluna vertebral, podendo afetar também outras localizações articulares e extra-articulares. A caraterística principal da EA é presença de sacroiliíte radiográfica, isto é, a presença de alterações estruturais das articulações sacroilíacas (entre o sacro e os ossos ilíacos) identificáveis no RX da bacia. 


Espondilite anquilosante


 

A DOENÇA E AS CAUSAS
A espondilite anquilosante (EA) é uma doença reumática inflamatória crónica que se carateriza pelo envolvimento da coluna vertebral, podendo afetar também outras localizações articulares e extra-articulares. A caraterística principal da EA é presença de sacroiliíte radiográfica, isto é, a presença de alterações estruturais das articulações sacroilíacas (entre o sacro e os ossos ilíacos) identificáveis no RX da bacia. Os acontecimentos que precedem estas alterações são fenómenos inflamatórios na periferia das articulações e que podem ser identificados por ressonância magnética. Com o passar do tempo, as lesões de sacroiliíte podem evoluir para a fusão completa da articulação. Por outro lado, a doença pode atingir também outros segmentos da coluna (nomeadamente o cervical e lombar). Esse atingimento traduz-se pela formação de calcificações entre os corpos vertebrais (sindesmófitos) que posteriormente podem evoluir para estados mais severos, com a calcificação do ligamento longitudinal anterior (coluna “em bambu”). Este dano tende a acumular-se com a evolução da doença e com as queixas álgicas do doente, mas cursa também com diminuição significativa da mobilidade destes doentes.
As causas da EA são desconhecidas, no entanto reconhece-se o tabagismo como um fator de risco. Sabemos também que existe uma predisposição genética, sendo mais frequente o diagnóstico entre os familiares de doentes, sendo que o gene responsável pela maior parte dessa predisposição é o HLA-B27.
OS DOENTES E OS SINTOMAS
É uma doença que atinge essencialmente indivíduos jovens, sendo que o seu diagnóstico em indivíduos cujos sintomas começaram depois dos 45 anos, apesar de não ser impossível, é bastante raro. Assim, devemos estar especialmente atentos para esta entidade em indivíduos em que a lombalgia crónica tenha dado início em idades entre os 20 e 40 anos.
A sua principal manifestação é a lombalgia (“dor de costas”) crónica (duração superior a 3 meses) e de ritmo inflamatório. Com isto queremos dizer que a lombalgia está presente logo de manhã, ainda antes de existir qualquer esforço físico, podendo despertar o doente durante a noite, não melhorando com o repouso e, surpreendentemente, podendo melhorar com os movimentos. A rigidez matinal prolongada que a pode acompanhar é também frequente. A associação com outros sinais e sintomas periféricos como artrite, entesite (inflamação de enteses, isto é, localizações onde tendões se inserem num determinado osso) e dactilite (ou “dedo em salsicha”, inflamação generalizada envolvendo articulação, tendões e tecido conjuntivo de um determinado dedo) é também caraterístico. Os doentes apresentam níveis de fadiga, perda de capacidade funcional para as suas atividades de vida diária e prejuízo da sua atividade laboral bastante importantes, mesmo em fases muito precoces da doença. Na doença mais evoluída, a perda de mobilidade da coluna vertebral e das articulações afetadas é também uma componente importante de perda de qualidade de vida.
A DOR ESPONDILÍTICA
A lombalgia mais frequente na população geral é a considerada lombalgia mecânica, isto é, uma lombalgia que tipicamente se agrava com o movimento, melhora com a adoção de uma posição mais confortável em repouso, é mais intensa ao final do dia e raramente se acompanha de rigidez matinal prolongada.
A lombalgia da EA é tipicamente inflamatória, com as caraterísticas descritas anteriormente: pior de manhã, não melhora com o repouso, acorda o doente durante a noite, não apresenta alívio com adoção de posição antiálgica e é geralmente acompanhada de rigidez matinal prolongada.
Além da lombalgia, estes doentes podem também apresentar dor pelo atingimento de localizações articulares e peri articulares periféricas, nomeadamente com fenómenos de artrite (tipicamente atingindo de forma assimétrica algumas articulações dos membros inferiores), entesite e dactilite.
Além das manifestações articulares, esta doença pode ter também as chamadas manifestações extra-articulares, das quais destacamos: uveíte anterior (inflamação da câmara anterior do olho, traduzida habitualmente por episódio de “olho vermelho” doloroso) e inflamação inespecífica da parede intestinal. As manifestações que caraterizam a EA podem estar também presentes noutras doenças como a doença inflamatória intestinal (doença de Crohn e colite ulcerosa) e a artrite psoriática. Nesses casos, essas manifestações típicas da EA (como a sacroiliíte) são consideradas como parte do atingimento axial do qual essas doenças se podem acompanhar.
 

 

PARA ALÉM DA DOR
Além das manifestações articulares e extra-articulares acima referidas, estes doentes têm também um conjunto de comorbilidades associadas. Um estudo recente internacional que juntou 3.984 doentes demonstrou que as principais comorbilidades que afetam estes doentes são a osteoporose (13%) e a úlcera gastroduodenal (11%). Esta população apresenta também uma prevalência importante de fatores de risco cardiovascular, nomeadamente hipertensão arterial, tabagismo e dislipidémia.
DIAGNÓSTICO
Em doentes com lombalgia crónica, isto é, lombalgia com pelo menos 3 meses de duração, principalmente se iniciada antes dos 45 anos de idade, importa realizar um inquérito sistemático e exame objetivo minucioso para investigar a possível presença de outros achados associados à EA (conforme descritos anteriormente). O diagnóstico de EA é estabelecido se um doente, com achados típicos da doença, apresentar no RX da bacia alterações suficientes para ser definida uma sacroiliíte de acordo com os critérios de Nova Iorque modificados (estes critérios avaliam o grau de esclerose, estreitamento ou alargamento do espaço articular e erosões dessas articulações). De referir também que hoje em dia, nos doentes que ainda não apresentam critérios de sacroiliíte radiográfica, é possível realizar o diagnóstico de espondilartrite axial não radiográfica (com base nos achados da ressonância magnética e /ou no estudo do genético – HLA-B27).
TRATAMENTO 
O tratamento destes doentes deve ser individualizado e está assente em dois grandes pilares: o tratamento farmacológico e o não farmacológico. O primeiro consiste essencialmente no uso de fármacos anti-inflamatórios que felizmente são eficazes na maioria dos doentes. É possível inclusivamente que induzam períodos de remissão prolongados em alguns deles. Estes fármacos já demostraram inclusivamente terem efeito benéfico na diminuição da progressão da doença.
Quando estas terapêuticas mais convencionais não proporcionam resposta satisfatória, causam efeitos secundários ou se apresentam como contraindicadas, passa a ser necessário recorrer a fármacos biotecnológicos. Esta opção abre novos horizontes para esta população na medida em que tem a capacidade de poder mudar significativamente a evolução da doença, melhorando sobremaneira a qualidade de vida destes doentes.
O tratamento não farmacológico deve ser transversal a todos os doentes. A recomendação para hábitos de vida saudável, nomeadamente a evicção tabágica, alimentação equilibrada e a prática regular de exercício são de extrema relevância. Deve ser dada preferência aos exercícios que reforcem a musculatura da coluna e que promovam uma maior mobilidade articular. O Reumatologista tem um papel fundamental neste processo dada a experiência acumulada na abordagem a estes doentes e no manuseamento destes fármacos.